“O motorista que atropelou e matou Rafael Mascarenhas, 18, filho da atriz Cissa Guimarães, foi parado por policiais militares minutos depois do atropelamento, a cerca de 200 metros de onde o rapaz foi morto, e foi liberado em seguida.
Os PMs não registraram queixa na delegacia. O motorista, Rafael de Sousa Bussamra, só se apresentou à polícia no final da tarde de terça-feira, depois de as imagens em que ele aparece no local do acidente, flagradas pelas câmeras da CET-Rio, terem sido entregues à polícia.
Rafael Mascarenhas estava no túnel Acústico, extensão do Zuzu Angel, com amigos andando de skate. O local estava bloqueado para manutenção, mas o carro de Bussamra e de outro amigo furaram o bloqueio. A suspeita é de que eles estavam participando de um ‘racha’. Bussamra nega a acusação.
Imagens das câmeras da CET-Rio mostram Bussamra sendo escoltado no Siena preto por PMs num carro da corporação, por volta das 2h03 de terça, minutos após o atropelamento.
Antes de sair do local acompanhado do carro da PM, o acusado conversou por 13 minutos com os policiais em seu carro, que estava com o farol direito aceso e o outro quebrado por causa da colisão com a vítima.
A ocorrência não foi registrada na 15ª DP, na Gávea, pelos policiais do 23º Batalhão da PM, que escoltaram o Siena na saída do túnel, nem o motorista foi levado à delegacia naquele momento. Bussamra só se apresentou 17 horas após o crime.
Segundo a Polícia Civil, a ocorrência foi registrada por outros dois PMs que, algum tempo após o acidente, vistoriaram a área e levaram o caso à delegacia.
A abordagem dos PMs ocorreu a menos de 200 metros do local do atropelamento, mostram as imagens. Pela manhã, a corporação havia afirmado que os suspeitos tinham sido parados a cerca de 7km da saída do túnel.
À tarde, os PMs foram afastados de suas funções por terem ‘atuado incorretamente na ocorrência durante a abordagem ao autor do atropelamento’. Seus nomes não foram divulgados.
Para a Polícia Civil, os PMs que abordaram Bussamra deveriam tê-lo prendido em flagrante.”
Algo interessante nessa matéria não é só a liberação do suspeito mas também a liberação do carro. Um suspeito, dependendo do caso, pode ser liberado mesmo quando preso em flagrante. Quem pode liberá-lo e por quais motivos ele pode ser liberado são assuntos para serem discutidos em um outro texto. Mas o carro, na matéria acima, é o possível instrumento do crime e, por consequência, uma prova chave para o caso. Se o que está sendo descrito na matéria acima de fato ocorreu, a polícia errou ao autorizar o suspeito a permanecer com a prova (o carro) depois de ser inicialmente parado.
Em qualquer processo, a prova precisa ser preservada para que possamos acreditar nas informações derivadas de sua análise. Imagine se o criminoso pudesses permanecer com o revólver depois de ser preso. Ele poderia facilmente livrar-se da arma ou adulterá-la a tal ponto que seria impossível fazer uma perícia para saber se ela foi de fato a arma usada no crime. É o que em inglês, para quem gosta de filmes americanos, chama-se ‘chain of custody’ [uma tradução literal seria ‘corrente de custódia/posse’, mas fica melhor traduzido como 'preservação da prova']: uma vez que a prova foi identificada, ela deve ficar completamente isolada, controlada e preservada durante toda a investigação até o fim do processo, para que ela não seja modificada. Se ela for modificada ou deixar de estar isolada, ela deixa de ser válida.
No caso da matéria acima, o carro era uma prova (ou era uma possível prova, o que dá na mesma) e por isso deveria ser mantido isolado e controlado para que nada nele fosse modificado. Como o magistrado pode acreditar na informação que pode ser inferida através de sua análise se o suspeito, depois de ser parado pela polícia, ficou de posse do carro por mais 17 horas, podendo modificá-lo como bem quiser?