“Calmon recebeu R$ 421 mil de auxílio-moradia
A corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça, recebeu R$ 421 mil de pagamentos de auxílio-moradia atrasados. O valor foi pago em três parcelas. Duas (totalizando R$ 226 mil) em 2008 e uma (R$ 195 mil) em setembro deste ano.
Esses pagamentos a membros do Judiciário foram fixados em 2000 pelo Supremo Tribunal Federal (…)
Calmon integra o Superior Tribunal de Justiça. Ontem, a Folha revelou que 9 dos 33 ministros dessa corte receberam atrasados de auxílio-moradia neste ano, num total de R$ 2 milhões. O jornal indagou à corregedora se recebeu o benefício.
Sua assessoria confirmou: ‘A ministra determinou a divulgação em nome da transparência". Calmon instruiu a assessoria a dizer que a inspeção que o CNJ fazia "sobre rendimentos de juízes não visava investigar esses pagamentos chamados de auxílio-moradia atrasados’ (…)
No caso de Calmon, as parcelas foram pagas, segundo a assessoria, ‘também aos ministros do STJ que tinham esse direito, na mesma época, e segundo os mesmos critérios’.
Se no curso das inspeções nos Estados fosse constatada a quebra do princípio da igualdade no pagamento do auxílio-moradia atrasado, nesse caso então seria aberta outra investigação sobre esse aspecto específico.”
A ilegalidade não está em receber o dinheiro do auxílio-moradia. Foi o próprio STF – como explicou a matéria acima - quem decidiu que os magistrados tinham/têm direito a esse benefício. O valor pode ser alto ou mesmo socialmente controverso, mas do ponto de vista legal, não há mais o que se discutir: os magistrados tinham/têm direito a recebe-lo. Logo, não há ilegalidade no que a matéria acima noticiou. O grande problema (e onde há ilegalidade) é que alguns magistrados, utilizando-se de sua posição, conseguiram receber antes e/ou de uma forma diferente dos demais (em um só pagamento). Isso, sim, seria ilegal, se de fato aconteceu. Mas a notícia acima não afirma que a corregedora seja um desses magistrados.
Mas existe um segundo ponto de controvérsia: a corregedora pediu/determinou (não está claro) o cruzamento de dados financeiros de centenas de milhares de servidores do Judiciário, inclusive dos magistrados, para verificar se seus patrimônios estão de acordo com suas rendas.
Há mais dois pontos importantes aqui: primeiro, todo servidor público tem de declarar anualmente seu patrimônio ao governo. Isso está no artigo 13 da Lei 8.429/92. Sem declarar seu patrimônio, ele não pode nem tomar posse e nem continuar exercendo seu cargo. Essa declaração serve para que o governo tenha certeza de que eles não estão ‘levando um por fora’, ou seja, não se corromperam, no sentido amplo da palavra. E isso inclui os magistrados. Logo, a corregedora não os obrigou a fazer nada. Eles são obrigados a fazer isso todos os anos. Para facilitar a vida de todo mudo, inclusive dos próprios servidores, os servidores podem simplesmente apresentar suas declarações de imposto de renda como método de comprovar a legalidade do aumento de suas rendas. Isso está no artigo 3o, §1o do Decreto 5.483/05.
Segundo, ficar rico não é ilegal. Culturalmente, no Brasil achamos que um servidor público (ou mesmo um empreendedor privado) que fica rico não merece sua fortuna e provavelmente se corrompeu, foi corrompido, ou se apropriou de patrimônio alheio. Mas ficar rico é um sonho de todos (ao menos de todos os racionais) e não é ilegal. Um servidor público pode, sim, ficar rico. E mais: seu patrimônio pode, sim, aumentar além do que ele recebe sem que isso seja uma ilegalidade. Por exemplo, se ganhar na loto, se investir inteligentemente seu dinheiro, se casar com alguém rico (ou divorciar-se dele/a), se ganhar um processo contra alguém, se receber uma ótima herança ou doação, se achar uma pepita de ouro, se pintar um quadro que passe a valer milhões, se escrever um livro ou compuser uma música, e assim por diante. Todas essas formas de se enriquecer são legítimas e não estão vinculadas ao que ele recebe como servidor público. Logo, o aumento do patrimônio desproporcional ao que recebem como servidores públicos não é uma ilegalidade em si. A ilegalidade existe quando esse aumento não consegue ser legitimamente justificado/explicado. Por exemplo, quando o servidor recebe uma doação de alguém que mantém contratos com sua repartição, ou quando o juiz recebe passagens de primeira classe e hospedagem para ir ao casamento de um advogado que tem processos sendo julgado por ele, ou quando o fiscal mora de graça em uma das mansões de alguém que ele deixou de fiscalizar, ou quando a filha do prefeito ganha um carro do dono de um empreiteiro que constrói ruas para a prefeitura.