“Dirigente do CNJ divulgou empresa a juízes
Vencedor de uma licitação que está sob investigação, um produto da empresa de informática Oracle recebeu divulgação do secretário-geral do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), Fernando Florido Marcondes, em encontro dos tribunais do país, antes da conclusão da concorrência.
Trata-se de um software para criar o cadastro nacional unificado de processos judiciais do CNJ.
Durante discurso feito no Encontro Nacional do Judiciário, realizado em Porto Alegre, em novembro, Marcondes disse que o produto da Oracle havia motivado o CNJ a criar seu sistema.
Dias depois, em dezembro, foi publicado o edital da licitação para a compra do banco de dados, mas a empresa adversária IBM questionou a concorrência alegando direcionamento à Oracle.
O CNJ não considerou procedente o questionamento, e a empresa NTC, representante da Oracle, venceu a licitação com uma proposta no valor de R$ 68 milhões (…)
Marcondes, que é o homem de confiança do presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, é alvo de questionamentos por conselheiros do órgão, principalmente em relação à forma de conduzir licitações.
A atuação de Marcondes levou conselheiros a defender que o cargo de secretário-geral passe a ser escolhido pelo colegiado do órgão, e não pelo seu presidente, como ocorre hoje”.
O governo não é obrigado a fazer licitação sempre. Por exemplo, se há um único produto a ser comprado, não há como fazer licitação.
A licitação – em qualquer de suas modalidades (concorrência, tomada de preço, convite etc) – serve para escolher o fornecedor que oferece o melhor preço e/ou a melhor técnica/produto/trabalho. Ou as pessoas se candidatam ou elas são convidadas a apresentarem suas propostas. Baseadas nessas propostas, a comissão licitantes escolhe o melhor fornecedor de acordo com critérios que precisam ser preestabelecidos e objetivos.
Mas se, por exemplo, há apenas um único produto, não há como fazer licitação. É o que se chama de inexigibilidade. Nesse caso, a licitação não seria apenas perda de tempo, mas também contra o interesse público, porque tempo é dinheiro. Fazer uma licitação para se escolher um produto que já se sabe que é o único, é jogar dinheiro público pela janela. Imagine, por exemplo, se o governo precisar comprar um avião capaz de transportar 850 passageiros. Só há um avião capaz de transportar esse número de passageiros (o A380). Fazer uma licitação não faria qualquer sentido. Seria gastar horas de trabalho público desnecessariamente.
Esses são casos em que se deve dispensar a licitação. É o que diz o §5o do art. 7o da Lei 8.666/93: “É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especificações exclusivas”.
No caso da matéria acima, ou há apenas um programa capaz de gerenciar o banco de dados, ou há mais de um programa capaz de faze-lo. No primeiro caso, não deveria ter ocorrido a licitação e, se ocorreu, o dinheiro público foi mal utilizado. No segundo caso, deveria ter ocorrido a licitação.
Só que se a licitação deveria ter ocorrido, qualquer manifestação de preferência por esse ou por aquele produto passa a gerar suspeitas, se feita por alguém capaz de influenciar a escolha. Pense na licitação como um concurso de beleza: se o responsável pela escolha da Miss (ou alguém que manda nele) já disse que prefere determinada candidata antes mesmo de ver todas as candidatas, não dá para confiar que ele será imparcial. A ideia aqui é que todos os licitantes devem ter a mesma oportunidade. Em juridiquês, isso é feito através de uma série de princípios que estão no art. 3o da Lei 8.666/93, como a igualdade (todos têm os mesmos direitos), isonomia, igualdade (todos são tratados da mesma forma), impessoalidade (a escolha independe das preferências pessoais de quem vai escolher) e moralidade (o servidor público deve não só agir dentro da lei, mas também agir de forma aceitável pelos padrões morais da sociedade).
Mas essa manifestação de preferência só é relevante se a pessoa que a fez teve qualquer participação ou influência na licitação. Se não teve, não há qualquer problema. Todos nós, todos os dias, preferimos determinadas marcas em detrimento de outras. O servidor público não é diferente. O problema começa quando essas preferências ferem os princípios mencionados acima.
Se a pessoa patrocina um interesse privado perante a administração pública, valendo-se de sua posição como servidor público, isso é crime, chamado de advocacia administrativa (art 321 do Código Penal). Mas se ela “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração, dando causa à instauração de licitação ou à celebração de contrato, cuja invalidação vier a ser decretada pelo Poder Judiciário”, o crime passa a ser outro (sem um nome específico), mais grave, previsto no art. 90 da Lei 8.666/93.
Enfim, simplesmente mencionar um produto não é um problema. E dizer que determinado produto inspirou determinada ação também não é. São apenas declarações que podem até ser impensadas, mas não são ilegais ou imorais. O problema acontece se a declaração é a ‘ponta do iceberg’ de algo mais grave.