“Mala trocada em voo leva jovem inocente à prisão em São Paulo
Amiri Chaimaa viajou ao Brasil, em outubro de 2010, para passar 12 dias com um rapaz que havia conhecido pela internet. Marroquina, pouco mais de 22 anos de idade à época, Amiri acabou vítima de uma injustiça.
Quando embarcava de volta para Casablanca (Marrocos), ela foi acusada [sic] de tráfico internacional pela Polícia Federal quando tentava embarcar no aeroporto internacional de Guarulhos (Grande São Paulo). Ela acabou ficando 14 meses na prisão.
O calvário de Amiri no Brasil começou quando a sua mala de mão foi extraviada no trecho da viagem entre Casablanca e Rio de Janeiro.
Quando despachou a mala, Amiri recebeu um ticket no qual a companhia aérea atestou que ela pesava 7 kg.
Uma mala encontrada no aeroporto de Brasília foi encontrada e devolvida à marroquina, que, então, a despachou para São Paulo, de onde seguiria para o Marrocos.
Ao ser examinada, porém, por meio do equipamento de raio X do aeroporto de Guarulhos, a mala que os policiais federais disseram ser da marroquina pesava 12,5 kg.
Assim que foi detida pelos federais, Amiri entrou em desespero e passou a negar ser a dona da mala onde estavam escondidos cinco sacos plásticos com 4,7 kg de cocaine (…)
Para o advogado de Amiri, Guilherme Ribeiro Faria, a mala dela foi trocada por uma quadrilha internacional de traficantes, que tentaria recuperá-la durante uma escala em Amsterdã, na Holanda.
Amiri pediu que os agentes federais buscassem as imagens dela despachando a mala em Brasília, mas isso não foi feito e ela acabou na Penitenciária de Santana, na zona norte paulistana.
Como um dos agentes federais que participaram da prisão de Amiri está há meses em licença médica, seu julgamento só aconteceu no mês passado, quando foi absolvida da acusação.
O Ministério Público Federal pediu à Justiça a absolvição da marroquina por falta de provas de que ela era a dona da mala com a cocaína apresentada pela PF no aeroporto de Guarulhos”
Essa matéria é interessante para falarmos de dois assuntos diferentes. Primeiro, sobre a função do Ministério Público. Repare que, no último parágrafo, a matéria diz que o MP pediu a absolvição da suspeita. Estamos acostumados a ouvir o MP (promotores, procuradores da República etc) pedindo a condenação do réu. Mas a função do MP não é acusar. A função do MP é defender a lei. Se o representante do MP – como aconteceu na matéria acima – não estiver convencido de que o réu é culpado, ele deve pedir que ele seja declarado inocente. Ele acusa quando está convencido de que o suspeito é culpado.
Segundo, sobre manter um inocente preso aguardando julgamento. O tráfico internacional de entorpecentes é um crime assemelhado ao hediondo, o que na prática significa que o suspeito fica quase sempre aguardando o julgamento preso. Se no julgamento ele for considerado inocente, ele provavelmente não terá direito a ressarcimento do Estado porque o Estado fez tudo legalmente e dentro do parâmetros esperados para uma boa investigação e acusação.
Mas se, como no caso da matéria acima, o Estado (no caso, a polícia), deixou de agir como deveria e por conta de sua má vontade, ineficiência, imoralidade ou simples preguiça alguém ficou preso indevidamente, essa pessoa tem o direito de ser ressarcida pelo Estado. Isso porque o agente que representa o Estado agiu fora dos parâmetros da normalidade. E não importa se a pessoa é brasileira nata, naturalizada, estrangeira com residência no Brasil ou simplesmente – como no caso da matéria acima – uma turista de passagem pelo país: todas elas têm direito a serem indenizadas pelo dano causado pelo erro grosseiro do Estado.
Na matéria acima, o direito à indenização não é por causa da prisão (ela foi presa legalmente, no aeroporto, pois suspeitava-se que ela estava carregando a droga), mas pela continuidade da prisão devido a uma investigação mal feita (se tivessem checado suas alegações e provas, teriam visto que ela era provavelmente inocente e a sua prisão teria sido relaxada).