“Tiros aconteceram entre explosão e entrada da PM, diz amiga de Eloá
O primeiro dia do julgamento de Lindemberg Alves Fernandes, 25, acusado de matar Eloá Pimentel, 15, e mantê-la refém com três amigos em outubro de 2008, em Santo André (Grande SP), foi marcado pelo depoimento da principal testemunha do caso, a amiga de Eloá, Nayara Rodrigues da Silva, 18 (…)
Só dois dos seis jornalistas convocados para depor continuam na lista. Sonia Abrão, Roberto Cabrini e Reinaldo Gottino não compareceram.
A defesa substituiu a jornalista Ana Paula Neves pelo irmão de Eloá, Douglas Pimentel. A mãe de Eloá foi convocada de última hora, para substituir um perito.
Com isso, evitaria choro na plateia, o que poderia influenciar os jurados - dos sete jurados, só uma é mulher.
Questionada, a advogada negou ter esse objetivo (…)"
Há algumas coisas interessantes aqui sobre como o julgamento no tribunal do júri funciona.
Primeiro, repare que algumas testemunhas não compareceram. Ser testemunha não é algo que você quer ou deixa de querer: uma vez intimado, você tem a obrigação de comparecer. Se você não comparecer você poderá ser multado e terá cometido o crime de desobediência. É o que diz o artigo 458 de nosso Código de Processo Penal:
“Art. 458. Se a testemunha, sem justa causa, deixar de comparecer, o juiz presidente, sem prejuízo da ação penal pela desobediência, aplicar-lhe-á a multa prevista no § 2o do art. 436 deste Código [1 a 10 salários mínimos]”.
Algumas pessoas, contudo, não são obrigadas a testemunhatem, seja porque são parentes do acusados e seria injusto pedir que uma pessoa que tem uma relação de amor tenha que depor contra quem ama, e pessoas que têm a obrigação profissional de guardar segredo daquilo que ouve.
No primeiro grupo estão ascendentes, descendentes, sogro(a), cônjuge e irmãos do acusado. Eles podem, se quiserem testemunhar, mas não são obrigados (eles só serão obrigados a testemunharem se forem as únicas testemunhas disponíveis). E, se resolverem testemunhar, não prestam o compromisso de dizerem a verdade, ou seja, os jurados sabem que eles podem estar mentindo ou omitindo algo.
No segundo grupo estão advogados e psicólogos em relação aos seus clientes, padres em relação ao que ouviu em confissão, médicos em relação ao paciente, e outros profissionais que têm a obrigação de guardar sigilo profissional. No caso deles, eles podem testemunhar desde que seus clientes permitam e eles queiram.
No caso acima, as pessoas que não compareceram eram jornalistas e jornalistas podem guardar segredo da fonte. Mas, como no caso dos demais profissionais que guardam segredo, eles ainda têm a obrigação de testemunharem aquilo que não está protegido pelo segredo profissional. Um padre que presencia um crime no corredor da igreja é obrigado a testemunhar porque tomou conhecimento do fato relevante fora da confissão.
Uma outra coisa que pode acontecer é que as testemunhas sejam dispensadas pela parte que se obrigou a leva-las. A defesa, por exemplo, se compromete a leva Fulano como testemunha. Se a defesa deixar de levar tal pessoa, fica implícito que a defesa não quer mais aquela pessoa como sua testemunha. Como só interessava à defesa, não há razão para punir a testemunha.
Uma outra coisa interessante na matéria: a mãe se tornou testemunha. A mãe do acusado, como vimos, não poderia ser testemunha contra seu filho, mas a da vítima pode ser testemunha. E às vezes, como no caso da matéria acima, o advogado de defesa quer que ela seja testemunha, ainda que ela não tenha muito a acrescentar. Soa estranho porque normalmente a defesa vai tentar pegar testemunhas que ajudem a proteger a imagem do réu e não pessoas que irão falar mal dele e bem da vítima mas, em termos de estratégia, pode ser menos perigoso do que deixa-la chorando frente aos jurados. Vamos entender:
As testemunhas não assistem o julgamento. Elas ficam em um local isolado até serem chamadas para deporem. Dizem aos jurados o que sabem e depois voltam para o local isolado.
O tribunal do júri é um grande teatro onde advogado e Ministério Público usam tanto de emoções quanto de argumentos racionais para convencer os jurados (não se esqueça: os jurados são leigos. Não estão lá para julgar as leis, mas apenas para dizerem se estão convencidos de que os fatos ocorreram conforme alegado pelas partes). Se a mãe da vítima ficar chorando na plateia, isso pode acabar influenciando os jurados. Por isso, às vezes, a defesa pede que ela seja uma testemunha. Assim, ela não pode ficar na plateia.
É uma estratégia arriscada porque, agora, como testemunha vai ter a oportunidade de falar (quem está na plateia deve permanecer em silêncio), o que pode fazer com que a situação do acusado piore, em vez de melhorar.
Em termos de estratégia, o normal é que a acusação deixe a família da vítima na plateia (o que a defesa no caso acima tentou evitar colocando a mãe e o irmão da vítima como testemunhas), enquanto a defesa coloca os filhos, esposa e pais do acusado na plateia, tentando construir o lado gentil do acusado (mas, como vimos, essas pessoas normalmente não podem ser intimadas como testemunhas pela outra parte, o que dificulta retira-las da plateia).