“'Era piada', dizem autores de manual com obrigação sexual
O grupo de alunos da UFPR (Federal do Paraná) que distribuiu ‘manual de sobrevivência’ com dicas para calouros conseguirem sexo ‘usando artigos da legislação’ disse que não teve a intenção de ofender mulheres.
Em nota, o Partido Democrático Universitário, responsável pelo texto, disse que ‘nada visava além de propiciar algumas risadas em nossos novos colegas, com brincadeiras a respeito da vida na universidade’”
E na Folha de ontem (29/3/12):
"Segundo o manual, se uma garota prometer 'mundos e fundos (principalmente fundos)' e der apenas um beijo, o calouro deve citar o artigo 233 do Código Civil para conseguir fazer sexo.
'Obrigação de dar: 'a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela embora não mencionados'', segundo o artigo.
Afirma ainda que, se uma garota disser 'vamos com calma', o aluno deve dizer 'não pode o devedor obrigar o credor a receber parte em uma prestação e parte em outra', segundo um trecho do artigo 252. E conclui: 'Ela vai ter que dar tudo de uma vez'"
Para se tornarem e se manterem advogados, os profissionais precisam agir com idoneidade moral. O Estatuto da OAB, que é a lei que regulamenta a profissão de advogados, tem dois artigos importantes a respeito:
O artigo 8º diz que, “para inscrição como advogado é necessário: (…) VI - idoneidade moral”.
Mas estudante não é advogado. Já vimos aqui que ele só se torna advogado depois de aprovado no exame da OAB e depois de prestar o compromisso perante a instituição.
Mas nos últimos dois anos do curso de direito ele deve se inscrever como estagiário na OAB (é mais ou menos o equivalente à residência feita pelos estudantes de medicina). E, para que ele se inscreva como estagiário, ele também é obrigado a idoneidade moral. É o que diz o artigo 9º quando diz que “para inscrição como estagiário é necessário (...) preencher os requisitos mencionados nos incisos I, III, V, VI e VII do art. 8º”
Mas e a liberdade de expressão? O estudante não tem direito de fazer piadas? Claro que tem. Mas esse direito – como qualquer outro – tem limites.
Se um advogado resolvesse escrever um panfleto defendendo que se ateie fogo em negros ou se espanque nordestinos, ele estaria contrariando essa norma. Ainda que ele estivesse fazendo apenas uma piada. O mesmo ocorre com o estudante de direito.
Pense nessa analogia: um médico ou um estudante de medicina que resolva fazer piadas a respeito do sexo do paciente, ou o ridicularize na frente de outras pessoas, ou o assuste no pré-operatório dizendo que vai amputar sua perna, ou resolva pinta-lo enquanto ele está inconsciente. Ainda que seja apenas para “propiciar algumas risadas em nossos novos colegas”.
Por causa da posição, do conhecimento que possui e do local no qual está, ele deve tomar cuidado com o que fala. Ele está dentro de uma instituição, ele é visto como um profissional (ou um futuro profissional), e deve agir com mais cuidado.
Da mesma forma, um advogado ou um estudante de direito não podem usar o fórum como palco para fazer brincadeiras de mau gosto.
Mas, no caso da matéria acima, eles estavam na faculdade. Afinal, todo mundo brinca na faculdade. Isso não conta?
Claro que conta. Mas isso não quer dizer que eles possam fazer o que bem quiserem. A lei não diz que a conduta deve ser compatível apenas quando ele está no fórum. Na verdade, ela não cita um local. O advogado é sempre advogado, da mesma forma como um médico não deixa de ser médico quando está de folga: a conduta deve ser digna em todos os locais. Assim como um policial de folga não tem permissão para brincar com sua arma, o advogado precisa zelar pelo que o torna diferente do resto da sociedade: o conhecimento jurídico e o respeito da sociedade. Não importa a hora ou o local.
A ideia por trás disso tudo é que o advogado (assim como o estudante de direito) é responsável não só pela proteção de sua própria reputação, mas da reputação da instituição à qual pertence: a OAB.
Se lermos o Estatuto do Advogado (art. 31) veremos que a intenção é proteger a instituição como um todo: “o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia”. O mesmo ocorre no Código de Ética (art. 2º, parágrafo único, I), que diz que é obrigação do advogado “preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade”.
Ao mesmo tempo, todos precisamos do humor para vivermos e sermos felizes. Então, qual é o limite para piadas?
A lei, obviamente, não estabelece limites sobre qual piada é aceitável e qual não é. A ideia é que usemos nosso bom senso e paremos antes de atingir o limite do que é social ou profissionalmente questionável. Se não respeitamos esses limites, quem se sentiu ofendido pode levar o caso à OAB, que moverá o procedimento para apurar os fatos e, se necessário, punir o profissional.