“Lula contesta ministro e diz que não pressionou Supremo
O ex-presidente Lula negou ontem ter tentado pressionar o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), a adiar o julgamento do mensalão.
Em nota, ele se disse indignado com o ministro e afirmou que o seu relato sobre a conversa que os dois mantiveram em abril, no escritório do ex-ministro Nelson Jobim em Brasília, é ‘inverídico’.
Segundo reportagem de sábado da revista ‘Veja’, Lula teria dito a Mendes que seria ‘inconveniente’ julgar o caso antes das eleições.
Em troca do apoio ao adiamento, ele teria oferecido proteção na CPI do Cachoeira, que poderia vir a investigar as relações de Mendes com o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) (…)
Jobim, que já havia contestado o relato de Mendes no fim de semana, manteve a negativa em entrevista ao jornal ‘Zero Hora’. "Foi uma conversa institucional, não teve nada nesses termos que a 'Veja' está se referindo."
Também ao ‘Zero Hora’, Mendes reafirmou seu relato, dizendo que Lula falou várias vezes sobre o tema mensalão, insinuando que poderia acionar congressistas aliados para blindá-lo. ‘Percebi que havia um tipo de insinuação’"
Vamos imaginar duas situações totalmente diferentes:
Primeiro, que o ex-presidente tentou interceder junto ao ministro do STF e que o ministro tenha dito a verdade. Nesse cenário, o presidente estaria mentindo.
Se o ex-presidente de fato prometeu usar de sua influência para proteger o ministro (um servidor público) de ser ouvido pela CPI, ele prometeu um vantagem ao ministro. Essa vantagem, obviamente, seria indevida porque ninguém deve ser protegido de uma investigação. Prometer a um servidor público uma vantagem indevida é um crime e se chama corrupção ativa, que é o mesmo crime cometido por quem dá dinheiro pro guarda não multá-lo.
Normalmente pensamos em corrupção como dar dinheiro, mas a lei não fala em dinheiro: ela fala em vantagem.
Para que o crime esteja configurado (consumado), basta que a pessoa tenha oferecido tal vantagem indevida. Ela não precisa ter dado tal vantagem. Logo, de nada adiantaria alegar que o ex-presidente não 'blindou' o ministro na CPI: basta que ele tenha dito ao ministro que o protegeria. Ou seja, ele ofereceu a vantagem indevida.
Agora vamos imaginar um segundo cenário: que o que o foi alegado pelo ministro não é verdadeiro e que o ex-presidente jamais disse que o protegeria na CPI. Nesse caso, o ex-presidente está dizendo a verdade e o magistrado está mentindo.
A mentira do ministro do STF incluiria dizer que o presidente lhe prometeu uma vantagem. Logo, segundo o ministro, o ex-presidente teria praticado a corrupção ativa. Mas, nesse segundo cenário, a versão do ministro é mentirosa.
Bem, o ex-presidente veio a público dizer que se sentiu ofendido por tal mentira. Essa mentira agora já chegou ao conhecimento de todo mundo e a honra do ex-presidente está abalada.
Dizer que alguém cometeu um crime (corrupção ativa, no caso) sabendo que isso é falso, ofendendo publicamente a honra daquela pessoa, constitui um crime: calúnia. Logo, se o ministro é quem está mentindo, ele caluniou o ex-presidente. E não é por ser magistrado que ele está protegido contra o risco de cometer calúnia. Advogados, membros do Ministério Público e até mesmo magistrados só estão protegidos contra a calúnia enquanto estiverem atuando no processo. Um encontro para ‘dar um abraço’ não faz parte de um processo.
Enfim, quem quer que esteja mentindo cometeu um crime.
PS: Óbvio que quem alega é quem deve provar. Mas provar como? Ahá! Havia uma terceira pessoa na sala: o ex-ministro da Justiça (95-97) e Defesa (07-11). Ele é uma testemunha, certo? Bem, não exatamente. É tecnicamente possível para o ministro do STF alegar que, como foi o ex-ministro da Justiça/Defesa quem organizou a conversa, ele soubesse o que seria discutido e fosse partícipe ou mesmo co-autor do crime de corrupção ativa. E o inverso é também possível: o ex-ministro da Justiça/Defesa pode também alegar que teve sua honra ofendida pela alegação que ajudou a cometer um crime que não ocorreu. Em ambos os casos ele deixaria de ser testemunha e se tornaria parte (réu, no primeiro caso; vítima, no segundo).