"Associações articulam greve nacional
Associações de PMs de diversos Estados articulam uma paralisação nacional em março. O "apagão na segurança", como chamam a mobilização, visa pressionar a Câmara a colocar em pauta a PEC 300, proposta de emenda constitucional que unifica os pisos salariais dos PMs de todo o Brasil. A mobilização nacional cresceu nos últimos dias em solidariedade à situação na Bahia"
Há algumas dificuldades em se estabelecer um piso nacional para as polícias que são frequentemente esquecidas. Isso não significa que seja impossível. Na verdade é muito fácil ‘de uma canetada’ estabelecer o piso. O problema é que ele provavelmente não funcionará se as dificuldades não forem compreendidas e resolvidas antes ou em conjunto.
Vamos entender:
A polícia federal, o nome já indica, é uma instituição federal. O policial federal baseado no Rio Grande do Norte é tratado pela lei da mesma forma como o policial federal baseado no Rio Grande do Sul.
Mas as polícias civil e militar são estaduais. Isso significa que cada uma das nossas 27 unidades federativas pode estabelecer critérios diferentes de ingresso e promoção. As carreiras desses policiais são essencialmente regulamentadas por normas estaduais.
Se cada unidade federativa pode estabelecer um critério de entrada e promoção, os salários também podem ser diferentes. Essas diferenças podem ou não estar baseada nas qualificações para o cargo. Na prática, está normalmente ligada ao orçamento e não às qualificações das pessoas. Logo, e para ficarmos nos mesmos exemplos, um policial civil no Rio Grande do Norte e um do Rio Grande do Sul, podem exercer funções muito similares, mas receberem valores muito diferentes. Por exemplo, o último concurso para escrivão no RN (2009) previa remuneração de R$2.086. No RS, o concurso para escrivão, no mesmo ano, tinha como remuneração R$1.555 (uma diferença de quase 35%), enquanto no Amazonas o recém aprovado, também em 2009, receberia R$2.524 (62% a mais que no RS). Em todos os casos havia a obrigatoriedade de formação superior completa.
Mas se Fulano no RS resolvesse prestar concurso para escrivão da Polícia Federal, sua remuneração seria muito diferente. Ainda no mesmo ano (2009), o concurso para escrivão da PF (que também necessitava ter curso superior completo) oferecia remuneração inicial de R$7.514, quase quatro vezes mais que o mesmo valor pago ao escrivão na polícia civil do RS.
Essas diferenças também ocorrem em outros cargos ligados à Justiça, mas elas são menos acentuadas. Por exemplo, atualmente há concurso público para juiz substituto tanto na Bahia quanto no Rio Grande do Sul (estaduais): R$18.336 na Bahia e R$17.582, uma diferença de 4%. Isso porque a legislação federal impõe um valor máximo que pode ser pago a esses cargos. E no concurso para juiz federal substituto da 3a região em 2010, a remuneração era de R$20.953, uma diferença de 'apenas' 19%.
O que podemos aprender com isso?
Primeiro, que a disparidade de remuneração é muito maior entre as polícias estaduais, quando comparadas umas com as outras do que entre os outros membros das carreiras ligadas à Justiça quando comparados uns com os outros. Segundo, que a disparidade entre membros da polícia federal que exercem funções semelhantes aos da polícia dos estados é muito maior do que entre outros postos ligados às funções da Justiça, como juízes e Ministério Público.
É por isso que os policias estaduais querem a PEC 300, para tentar homogeneizar as diferenças salariais.
O que não se leva em conta, contudo, é a qualidade das pessoas. Para que o piso salarial faça sentido, é importante que haja um ‘piso de qualidade’, ou seja, os concursos públicos teriam que garantir que quem entra nessas carreiras de fato mereça essa remuneração maior, e não apenas para preencher vagas que estejam abertas.
Se observarmos os concursos para Ministério Público e Judiciário, por exemplo, veremos que eles são, em geral, mais difíceis, contam com a participação de outras entidades na elaboração e aplicação das provas (OAB, por exemplo), e que nem todas as vagas são preenchidas.
O risco aqui é que, aumentando o grau de dificuldade para a entrada dos policiais, falte policial. Pense em um hotel: se o quarto é muito luxuoso e o valor da diária é muito alto, pode faltar hóspede. Se o quarto é muito ruim e o valor é muito baixo, você vai atrair hospedes que não deseja, mas estará sempre lotado. A chave é encontrar o ponto de equilíbrio.
Mas a greve acima é da PM, e existem mais dois complicadores no caso delas:
Primeiro, elas são militares e suas remunerações (soldos) devem – ou deveriam – ser compatíveis também com os soldos das forças armadas. Não deveríamos ter uma situação em que um soldado da PM receba muito mais ou muito menos do que um do Exército, ou que um coronel da PM receba mais do que um general do Exército, especialmente porque durante uma guerra o primeiro estará subordinado ao segundo.
Isso já não deveria ocorrer hoje, mas como as leis são estaduais e cada estado tem a sua, todos fazemos de conta que não acontece. Mas a partir do momento em que se tornar uma norma constitucional, ficará mais difícil deixar de lado a discussão sobre a remuneração das forças armadas.
Uma segunda dificuldade com as PMs é o grau de instrução necessário para o ingresso. A PM do Distrito Federal (remuneração inicial de R$3.073, em 2009), por exemplo, exige curso superior para os candidatos no concurso de soldado. Já a PM de São Paulo, não (remuneração de R$1.613, em 2011). Para se ter um piso nacional, precisaremos ter parâmetros semelhantes de entrada e promoção ou vamos pagar muito para termos policias pouco qualificados, ou pouco para termos policiais muito qualificados.
PS: Tabela de remuneração atual dos praças (não-oficiais) da PM de São Paulo.