“Conar libera propaganda com Gisele Bündchen
O Conselho de Ética do Conar (Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária) recomendou ontem, de forma unânime, o arquivamento do pedido de suspensão do comercial da marca de lingerie Hope, estrelado pela modelo Gisele Bündchen.
A peça publicitária foi alvo de críticas do governo federal, que argumentava que o comercial desrespeitava a condição feminina. Com a decisão, a publicidade continua liberada para veiculação.
Os membros do conselho acompanharam o voto da relatora, que considerou os estereótipos na campanha ‘comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina’, segundo nota.
O pedido ao Conar partiu da Secretaria de Políticas para as Mulheres, chefiada pela ministra Iriny Lopes”
O Conar é uma espécie de tribunal, mas com uma peculiaridade: o Conar não é órgão do Judiciário e não tem nada a ver com o poder público. Como o nome diz, é um Conselho de Autoregulamentação. Trata-se na realidade de uma entidade privada, uma associação sem fins lucrativos, criada pelas próprias empresas envolvidas com a publicidade, com o objetivo de impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor e à empresa.
O Conar possui um código de conduta que estabelece, entre outras coisas, que tipo de publicidade não deve ser divulgado. Esse código é constantemente atualizado. Ao mesmo tempo, um outro grupo, dentro do Conar, julga os casos em que há acusação de que determinados anúncios são enganosos ou abusivos. Como todos os veículos que divulgam anúncios fazem parte do Conar, as decisões do órgão são sempre e imediatamente cumpridas. Mas se o Conar não é criado por lei e não tem a força de uma autoridade pública, por que essas entidades cumprem as decisões do Conselho mesmo quando tais decisões vão contra seus interesses?
A idéia por trás de qualquer normal jurídica é que sua aceitação é obrigatória: não importa se você gosta ou não, você terá de cumprir ou será punido. A idéia por trás da moral, por sua vez, é que sua aceitação é pessoal: outras pessoas podem até fazer cara feia ou não gostar de suas opções, mas se você não acha que é imoral, não há nada que possamos fazer a respeito (talvez, exceto, tentar convencê-lo do contrário ou pararem e converser com você).
A autorregulamentação paira entre esses dois mundos. É uma forma das pessoas (físicas ou jurídicas) de dizerem de forma expressa ao resto da sociedade quais os limites da moralidade pelo qual irão se guiar.
O Conar é uma institucionalização da autorregulamentação no campo publicitário. Mas, na verdade, é um animal estranho até no campo da autorregulamentação. A idéia da autorregulamentação é a de que “eu me observo e eu estabeleço quais os meus próprios limites”. Se uma instituição precisa ser criada para fazer observar as barreiras da autorregulamentação, trata-se de alguma coisa além da simples autorregulamentação.
A razão pela qual o Conar caminha nessa tênue linha é porque, na verdade, ele surgiu na década de 70 como uma tentativa do setor publicitário de prevenir que o governo militar estabelecesse uma lei que seria ainda pior para o setor. Ou seja, ele foi um meio termo do setor para apaziguar o governo e evitar a imposição de normas ainda mais restritivas. É como uma criança que promete aos pais que nunca mais irá escrever na parede na tentativa de evitar ser enviada para o reformatório.
É sempre interessante tentar descobrir o que levou à criação de uma instituição que gere algum tipo de autorregulamentação. No caso do Conar, o governo queria estabelecer uma censura prévia de todas as peças publicitárias. Ou seja, apenas depois de pré-aprovada pelo governo é que uma peça poderia ser divulgada. Obviamente isso mataria toda possibilidade de criatividade e inovação do setor. Ademais, a aprovação poderia demorar meses, e talvez anos. Entre a auto-flagelação e a flagelação feita por um terceiro, a primeira alternativa é geralmente menos dolorosa.
Do ponto de vista jurídico, este tipo de instituição é quase uma variante dos tribunais arbitrais: eles existem porque as partes que o integram assim o querem, ele é gerido e gere as partes com base em normas criadas pelas partes e, via-de-regra, substituem uma função que, normalmente, seria exercida pelo Estado.
Uma das principais entre ele e os tribunais arbitrais é que enquanto as decisões destes não podem ser contestadas na justiça, as decisões do Conar, em tese, podem ser contestadas mas, para isso, seria preciso provar que determinada publicidade, não considerada abusiva pelo órgão, fere flagrantemente a moral pública ou o direito de alguém o que, embora possível, é pouco provável.