“PT vai fazer 'vaquinha' para multas
O presidente do PT-SP, Emidio de Souza, disse ontem que o partido vai antecipar ‘uma vaquinha’ para ajudar José Genoino e João Paulo Cunha a pagarem suas multas. O STF estipulou o valor de Genoino em R$ 468 mil, enquanto Cunha precisará pagar R$ 370 mil. ‘Genoino não tem esse dinheiro, sua única propriedade é uma casa pequena na capital paulista, onde mora há mais de 30 anos’, afirmou.”
Nossa Constituição é clara: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”. Em bom português, isso significa que se alguém for condenado a, digamos, 10 anos de prisão, ele não pode pedir ou pagar para outra pessoa ficar 10 anos presa em seu lugar. Da mesma forma, se ele morrer logo depois de ser condenado, seus herdeiros não serão presos para pagarem os 10 anos que ainda restavam a serem cumpridos quando o condenado morreu. A pena é apenas dele.
Isso vale para outros tipos de condenações. Se o criminoso é condenado a prestar serviço à comunidade, ele não pode 'delegar' esse serviço a outra pessoa. E imagine o absurdo que seria se o baderneiro condenado a não frequentar boates 'delegasse' a pena à sua avó, que provavelmente nunca foi ou quis ir a uma boate.
A pessoalidade da pena existe porque dois dos objetivos da pena são punir e exemplificar. Se a pessoa não sofre a consequência de seu ato, ela não está sendo punida. E se ela pode ‘delegar’ sua punição e escapar das ‘garras da lei’ porque é rica ou tem amigos que aceitam serem presos ou terem seus direitos restritos no lugar do criminoso, não se está dando um bom exemplo para outros criminosos em potencial.
Mas quando se trata da pena de multa, a situação se complica porque dinheiro é um patrimônio disponível.
Isso significa que você pode se dispor dele como bem quiser. Se você resolver atear fogo em uma pilha de dinheiro, pode (desde que ela seja sua). Se você quiser doá-la, também pode (desde que não prejudique seus credores e futuros herdeiros necessários).
O mesmo não ocorre, por exemplo, com seu corpo. Seu corpo não pode ser doado ou vendido. Logo, você não pode se doar para cumprir a pena no lugar de seu filho. Seu corpo é algo indisponível.
Mas ainda que a Justiça queira usar a pena para exemplificar e punir, não há como impedir a transferência de dinheiro lícito entre as pessoas para que seja usado para pagar uma dívida. É um direito do dono do dinheiro doá-lo (novamente: desde que não esteja prejudicando seus próprios credores ou futuros herdeiros necessários).
Por uma lado, o condenado não está de fato sendo punido se ele tem um ‘padrinho’ que paga a pena por ele. Ele não está sofrendo no ‘próprio bolso’ as consequências de seus atos. Mas, por outro lado, seria extremamente injusto impedir o condenado de receber doações apenas para fazê-lo sofrer financeiramente.
Pense no caso do condenado com uma única casa citado na reportagem acima: é melhor para a sociedade forçar alguém (e sua família) à miséria para pagar uma dívida com o Estado, ou é melhor aceitar que há um elemento de punição social quando o condenado precisa pedir a conhecidos e desconhecidos doação para pagar sua dívida pelo crime que cometeu?
Ademais, mesmo que quiséssemos restringir tais ajudas financeiras isso seria, na prática, muito difícil e tomaria um tempo enorme da Justiça. Isso porque dinheiro é algo fungível e líquido.
Fungível significa que ele é facilmente substituível por outros objetos da mesma natureza. Laranjas são parecidas com laranjas, logo são fungíveis. Mas um quadro não é fungível porque ele é único. Dinheiro é fungível porque todas as notas de R$ 10 são essencialmente idênticas. Já o corpo humano (responsável por pagar a pena de privação de liberdade ou restritiva de direito) é infungível. Por mais que eu queira, meu corpo não é idêntico ao do Tom Cruise ou da Giselle Bündchen.
Líquido significa que pode ser convertido em dinheiro. Uma barra de ouro é líquida porque o valor do ouro é cotado no mercado financeiro e logo é fácil converter minha barra de ouro em dinheiro. Já um quadro é ilíquido porque é difícil saber seu valor preciso e transformá-lo em dinheiro (precisaria arrumar um avaliador, levá-lo a leilão, achar um comprador etc). Dinheiro é o mais líquido de todos os objetos porque seu valor é preciso e ele já é o próprio dinheiro.
Por ser fungível, é difícil provar que tal dinheiro recebido foi o mesmo usado para pagar a dívida. Por ser líquido, ele é facilmente transferível.
Algo que é facilmente transferível e que é difícil de ser rastreado é, por natureza, algo difícil de ser controlado. Basta olhar o eterno problema com doações eleitorais.