“Clientes do Itaú recorrem a detetive para recuperar joias
Ao menos três empresas de segurança, três de inteligência privada internacional e diversas agências de detetive foram contratadas por clientes que tiveram cofres roubados no Itaú da av. Paulista (…)
A Folha apurou que os conteúdos de apenas dois cofres arrombados valem, juntos, cerca de R$ 12 milhões (…)
A RCI First Security and Intelligence Advising, uma das empresas contratadas para rastrear os bens roubados, com sede em Nova York, já contatou 141 lapidadores, mais de 400 joalheiros, além de leiloeiros e antiquários de todo o mundo e mais de 50 doleiros paulistanos na tentativa de obter informações (…)
A esperança das empresas é que o consumidor final, ao procurar joalheiros, acabe reintegrando as joias ao mercado formal. Quando uma peça roubada é reconhecida, agências avisam a polícia para que haja a devolução.
Apesar de 170 cofres terem sido violados no assalto ao Itaú da avenida Paulista, poucos clientes registraram oficialmente a ocorrência.
Acredita-se que algumas das vítimas podem estar com medo de futuras extorsões por parte dos ladrões -como o acesso a boletins de ocorrência é público, os assaltantes podem descobrir quem são os donos das joias e pedir dinheiro para devolvê-las.
Uma outra possibilidade, de acordo com a polícia, é que nem todos os clientes conseguem (ou podem) comprovar a relação de bens roubados”
O caso acima foi de roubo. Os ladrões renderam os vigias e passaram um fim de semana abrindo os cofres. Agora, alguns (ou muitos!) clientes contrataram investigadores particulares para acharem seus bens. Eles não apresentaram notícia-crime à polícia. Talvez por alguma das razões apontadas na matéria, ou talvez porque esses bens não foram adquiridos legalmente ou não estão declarados à Receita Federal. Manter sua fortuna em milhares de diamantes escondidos debaixo do colchão ou enterrado no jardim é perfeitamente legal, mas eles precisam ser declarados à Receita e pagar os tributos devidos.
Mas digamos que os detetives sejam mais eficientes que a polícia (mesmo porque a polícia não consegue achar aquilo que não sabe que está procurando). E daí? O que eles podem fazer?
A resposta natural seria informar a polícia e pedir para ela prender os ladrões. Mas, convenhamos, se eles sequer comunicaram o roubo à polícia, será se vão pedir que ela prenda os ladrões?
Claro que não podemos dizer o que está na cabeça das vítimas, mas digamos que elas decidam não envolver a polícia nisso. O que elas poderiam fazer?
A alternativa natural é pedir ao ladrão que devolva os bens. Algo como bater na porta dele e dizer 'Bom dia, senhor ladrão. Desculpa estar incomodando, mas o senhor se importaria de devolver-me meus diamantes?” Ou mandar uma carta mais ou menos nos mesmos termos. Na verdade, essa é a única alternativa legal que lhes restam, se eles não querem envolver a polícia e a Justiça. Eles podem pedir a devolução, mas eles não podem tomar de volta à força. Isso seria um crime. Vejamos:
Digamos que o dono ache os ladrões e na hora que eles saem de casa o dono entra na casa e pega as joias de volta. Nesse caso não houve violência e nem grave ameaça e por isso não é um roubo, mas um furto. Mas tanto furto quanto roubo envolvem “subtrair coisa alheia móvel”. As joias são coisa alheia? Afinal, elas pertenciam ao dono antes do roubo. Ainda pertencem? O problema é mais complexo do que parece.
Quando a vítima foi roubada, ela perdeu uma única coisa: a propriedade das joias (os direitos relacionados ao fato de ser dona das joias), já que a posse (os direitos relacionados ao uso do objeto roubado) e a detenção (estar com a coisa naquele momento) eram do banco onde elas estavam guardadas.
Propriedade, posse e detenção são coisas diferentes e vale a pena vermos um exemplo antes de prosseguir:
Propriedade é ser dono, posse é poder usar a coisa, e detenção é estar com a coisa. Quase sempre essas três coisas estão juntas. Por exemplo, eu sou dono do carro (propriedade), o uso todos os dias (posse) e eu o estou dirigindo agora (detenção). Mas às vezes elas estão separadas. Se eu alugar meu carro para Zezinho, eu ainda sou proprietário (Zezinho não pode vende-lo), mas não sou o possuidor (Zezinho é quem o possui). Mas se Zezinho deixar seu filho dirigi-lo, o filho será o detentor do carro enquanto o estiver dirigindo.
Pois bem, no caso acima, os ladrões detêm as joias, mas não são nem proprietários nem possuidores, porque não se tornam legítimos donos ou possuidores através de um ato ilegal (o roubo no banco).
Logo, as joias não são coisa alheia e por isso se o dono pega-las de volta ele não está cometendo furto.
Mas ele estará cometendo outros crimes como violação de domicílio (as joias estão na casa dos ladrões) e o exercício arbitrário das próprias razões. Esse último crime (art. 345 de nosso Código Penal), proíbe “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. A lei diz que não importa que o dono tenha direito de reaver seus bens: ele não pode ir lá e tomar. Só a polícia tem esse poder.
E se ele ameaçar o ladrão? Algo como 'se não me devolver eu vou quebrar sua perna'. Nesse caso, ele estará cometendo o crime de ameaça (art. 147 de nosso Código Penal), que diz que é crime “ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave”. E, óbvio, dizer que vai quebrar a perna do ladrão é dizer que vai causar-lhe um mal injusto (você não tem direito de quebrar a perna de ninguém) e grave (você já quebrou um osso para saber o quanto dói?).
E se em vez de ameaçar, o dono simplesmente tomar as joias à força? Afinal, elas foram tomadas à força do banco no qual ele as guardava. Ele pode revidar e usar a força agora? Também não. Ele até poderia alegar legítima defesa se o roubo ainda estivesse acontecendo (é o que acontece quando a vítima reage ao roubo), mas no caso da matéria acima, o roubo já acabou (consumado). O crime já está cometido. Não há como alegar legítima defesa. Se ele tomar à força e machucar o ladrão, estará cometendo o crime de lesão corporal.
Em resumo, se ele apontar uma arma, ele estará cometendo o crime de ameaça. Se ele entrar sorrateiramente na casa, ele estará violando o domicílio do ladrão. E se bater estará cometendo lesão corporal. E em qualquer dos casos, ele poderá estar cometendo o exercício arbitrário das próprias razões.
‘Roubar’ o ladrão que te roubou não é uma boa ideia. Não porque você vai estar roubando seus bens de volta, já que é impossível você roubar seus próprios bens (para que haja roubo, a coisa precisa ser ‘alheia’), mas porque você estará cometendo outros crimes.