“Boxeador russo morre após derrota por nocaute
O boxeador russo Roman Simakov, que saiu de maca após ser nocauteado na luta pelo cinturão do WBC (Conselho de Boxe da Ásia) na última segunda-feira, acabou não resistindo e morreu nesta quinta-feira, informou a Federação Russa de Boxe.
Aos 27 anos, Simakov foi submetido a uma cirurgia no cérebro depois de ser levado ao hospital na cidade de Yekaterinburg, mas não conseguiu recuperar a consciência.”
Essa matéria é interessante para entendermos lesões corporais que ocorrem nos esportes.
Se você está escalando uma montanha, cai e se machuca ou morre, ninguém é culpado. A montanha não te matou. Você morreu por um acidente ou por um erro seu. Se você está praticando hipismo cai do cavalo e morre (ou é chifrado pelo touro em uma tourada), o animal não pode ser considerado culpado porque, para ser considerado culpado, você precisa saber que determinada conduta é perigosa, e nem o cavalo e nem o touro têm essa capacidade de discernimento. Eles são animais e como tais agem instintivamente. Quando muito, você foi o (ir)responsável por ter praticado um esporte sem saber como pratica-lo com segurança.
Mas vamos imaginar esportes em que há mais de um ser humano envolvido e em que um ser humano causa danos em outro. Por exemplo, futebol.
Se eu te der uma canelada na rua, você irá me processar por lesão corporal. Mas quando um jogador dá uma canelada em outro, ele não é processado por lesão corporal. Isso porque eles estão praticando um esporte em que eles sabem que esse risco existe e que provavelmente ocorrerá esse tipo de contato físico, e aceitam esse risco. Essa é a mesma lógica que impede que um sádico seja preso por causar dor em um masoquista: houve consentimento mútuo.
Mas isso quer dizer que vale tudo? Não. Se um jogador der uma entrada para quebrar a perna do outro (ou se o sádico resolve quebrar o dedo do masoquista ou cortar-lhe a pele), ele terá passado do limite (subjetivo) da violência socialmente aceita na prática daquele esporte (ou daquele ato sexual / fantasia).
Se o jogador de vôlei dá um murro no rosto de outro, ele terá cometido lesão corporal. Mas se um boxeador dá um murro no rosto de outro, não há crime. Isso porque leva-se em conta as regras daquele esporte específico. Se o boxeador coloca mercúrio ou chumbo em suas luvas e acaba matando o outro por conta disso, ou resolve morder a orelha do oponente, ele terá cometido um crime porque essas são práticas proibidas naquele esporte (é por isso que as luvas e os boxeadores são sempre pesados).
E os limites de violência em um esporte variam de sociedade para sociedade e cabe a cada sociedade estabelecer seus limites, banindo alguns esportes e aceitando outros. Alguns esportes têm limites mais baixos (o jogador de peteca, por exemplo, não espera nunca ter qualquer contato físico com seu oponente), e outros mais altos (o lutador de ultimate fight espera muito contato físico). O jogo de peteca não é proibido em nenhum país, mas o vale tudo é proibido em vários lugares. E outros esportes são simplesmente proibidos em todos os lugares hoje em dia porque passam dos limites de riscos aceitos por todas as sociedades contemporâneas. É por isso, por exemplo, que hoje não temos mais gladiadores (sim, gladiadores eram esportistas).
Vamos voltar à matéria acima, na qual o boxeador morreu. A questão aqui é saber (a) se o seu oponente respeitou as regras do esporte (por exemplo, se parou de bater quando o boxeador foi ao chão ou quando o árbitro o mandou parar de bater.) Se respeitou, não há crime. No filme Rocky IV o boxeador continua batendo depois de o árbitro mandar parar e mata seu oponente. Ele cometeu um homicídio porque desrespeitou as regras do esporte e esse desrespeito causou a morte. E (b) se o árbitro respeitou as regras do esporte. Sim, o árbitro também pode ser culpado. O árbitro que deixa a luta seguir quando é evidente que deveria ter interrompido pode, sim, ser responsável pelo homicídio. ‘Mas não foi ele quem bateu!’. Não importa. Você não precisa ter sido quem atirou para ser o responsável por um homicídio: se você contrata o pistoleiro, você é culpado. Se o árbitro quis ou assumiu o risco que uma morte ocorresse, ele cometeu um homicídio doloso. Se ele foi negligente, ele agiu com culpa. Mas se ele agiu legitimamente, não houve delito: foi uma tragédia.