“Sem saída
Dezesseis quilos mais magro, resultado dos quase cinco meses preso, réu em 12 processos, nos quais deve ser condenado a mais de cem anos de prisão, e com um pedido de divórcio da mulher, o doleiro Alberto Youssef enviou sinais ao Ministério Público e à Justiça de que quer fazer um acordo de delação premiada para se livrar da cadeia o quanto antes.
A lei brasileira prevê redução de pena para colaboradores. Se o que revelar à Justiça ajudar a esclarecer crimes mais graves, Youssef pode até ficar livre da prisão (...)
O doleiro foi preso em 17 de março pela PF na Operação Lava Jato, sob a acusação de comandar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou R$ 10 bilhões em quatro anos e tinha ramificações na Petrobras, no Ministério da Saúde e em partidos como PT, PP e SDD (...)
O advogado de Youssef, Antonio Augusto Figueiredo Basto, diz que a decisão de colaborar é do seu cliente, mas ele não recomenda o expediente: ‘O Alberto é mero bode expiatório num esquema muito maior, sobre o qual não há nenhum interesse em investigar. Você acha que ele teria feito tudo de que é acusado sem um parlamentar?’.
Ele diz que sai do caso se seu cliente virar colaborador.”
O exemplo acima mostra como às vezes a relação entre cliente e advogado é sempre delicada.
Por mais que soe mercenário, o que garante o alinhamento de alguns dos interesses entre cliente e prestador de serviço é o dinheiro.
Você paga ao barbeiro para que ele faça sua barba bem feita. É esse pagamento que lhe dá a confiança que aquela pessoa com uma navalha em seu pescoço irá raspar a barba e, apenas a barba.
Se, mesmo com o pagamento, você não está seguro que seu barbeiro sabe o que está fazendo ou que ele realmente só vai cortar sua barba, você não se deixa barbear por ele.
A relação entre cliente e advogado é idêntica. Como barbeiro, manicure ou cabelereiro, seu advogado tem interesses próprios e não é seu amigo. Ele é um prestador de serviços que coloca sua técnica e experiência à sua disposição em troca de dinheiro. Mas se você não tem certeza que ele sabe o que está fazendo ou que ele irá prestar um bom serviço, a melhor saída é procurar um outro advogado.
Da mesma forma que o cliente pode trocar de advogado, o advogado pode e deve dizer ao cliente que não está disposto a representá-lo, seja porque não conhece aquela área do direito, ou porque tem algum conflito de interesse, ou porque o cliente não está disposto a seguir as orientações do advogado.
Se sou um advogado especialista em divórcio e meu cliente tem uma causa envolvendo a falência de sua empresa, eu não devo aceitar a causa de falência. Direito, como medicina, tem dezenas de especializações, e quem conhece uma área não necessariamente conhece a outra. Ou você procuraria sua ginecologista para fazer uma neurocirurgia?
Para complicar o ‘corpo’ do direito está em permanente mutação graças às novas normas e interpretações jurídicas, e dos novos fatos e eventos que ocorrem diariamente em um processo. Aquilo que era aparentemente apenas uma falência de uma empresa pode rapidamente se tornar uma causa criminal ou levar ao divórcio do diretor.
Se cliente e advogado têm conflitos de interesses ou se dois clientes do mesmo advogado têm interesses conflitantes, o advogado deve recusar a causa.
Um advogado que sabe que terá seu nome envolvido na delação premiada que seu cliente pretende fazer deve afastar-se do caso porque o resultado que deseja pessoalmente (não ter seu nome envolvido no rol de investigados) conflita com o melhor resultado para seu cliente (ter a pena reduzida por ter colaborado nas investigações e processo).
Da mesma forma, um advogado que atua para dois cliente no qual um quer delatar o outro deve renunciar a uma das causas pois há um claro conflito de interesse entre os dois clientes.
Por fim, muitas vezes o advogado é especialista naquela área do direito, objetiva unicamente o melhor para seu cliente, não há qualquer conflito de interesse, mas a orientação dada pelo advogado não é aceita pelo cliente.
Assim como em um tratamento médico, a decisão final é sempre do cliente. O advogado pode orientar, mas não pode obrigar ou pressionar o cliente. Ele deve ser claro e preciso em relação às consequências das opções, mas não pode escolher pelo cliente.
E assim como um médico ou um cabelereiro, se o advogado discordar das escolhas do cliente a ponto dessa discórdia interferir em sua capacidade de atuar em nome do cliente, ele deve afastar-se do caso.
O advogado não tem obrigação de representar um cliente que resolve fornecer nomes falsos em uma delação premiada apenas para diminuir sua pena, por exemplo.
Aqui não é o caso de ‘se você fizer isso eu vou abandonar o caso’, mas de ‘infelizmente eu não creio que possa conduzir seu caso se o caminho escolhido for esse’.
Essa capacidade de ser transparente com o cliente é essencial à ética profissional.
Um ponto essencial aqui é que a relação entre advogado e cliente é e deve ser sempre protegida pelo sigilo. Quando um advogado resolver afastar-se de uma causa ou de um cliente por qualquer motivo, as razões desse afastamento devem ser resguardadas pelo advogado porque sua obrigação de manter a confidencialidade da relação perdura mesmo depois de a relação entre os dois ter terminado.
Por isso é quase sempre impossível deduzir ou mesmo inferir as razões que levam um advogado a afastar-se da causa. Há duas exceções, contudo:
A primeira, é quando o advogado falha em sua responsabilidade manter o sigilo e diz que se afastou por determinado motivo.
A segunda é que a relação entre cliente e advogado não é simétrica: o cliente não tem obrigação de manter o sigilo e pode, sim, dizer porque resolveu afastar o advogado ou porque o advogado resolveu afastar-se da causa. Mas vale lembrar: se o cliente resolveu tornar público aquilo que era sigiloso, o advogado não mais tem obrigação de manter em sgilo aquilo que seu cliente tornou público voluntariamente.