A primeira proposta parece estranha: o Reino Unido já não tem uma Rainha? Logo, como é que lá não pode haver rainha?
O que a lei diz é que uma mulher só será rainha se ela não possuir irmãos homens. Ou seja, a rainha Elizabeth só se tornou rainha porque ela não possui nenhum irmão (apenas irmã). Se ela tivesse um irmão, ainda que ele fosse mais novo do que ela, ele é quem seria o rei. O que o primeiro ministro deseja fazer é justamente mudar essa situação para que todos os primogênitos, independente de qual seja seu sexo, possam assumir o trono.
As outras duas mudanças que ele está propondo são em relação a leis que foram criadas para evitar novas guerras religiosas dentro do país. Atualmente os reis e futuros reis não podem casar com católicos porque eles são o chefe da igreja anglicana. O que o projeto de lei a ser proposto dirá é que, embora o soberano não possa ser católico (afinal, ele ou ela ainda precisará ser o chefe da igreja anglicana), ele poderá se casar com quem bem quiser, independente da religião de seu cônjuge.
Mas o mais interessante aqui não é o que o primeiro ministro deseja mudar, mas o processo de mudança em si.
Primeiro, ele precisará da aprovação dos parlamentos de outros 15 países, além do Reino Unido: Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Jamaica, Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Granada, Belize, St. Christopher e Nevis, Santa Lucia, Ilhas Salomão, Tuvalu, San Vicente e Granadinas, e Papua. Mas por que ele precisa de autorização desses países para mudar as regras de sucessão da coroa britânica?
Porque a rainha do Reino Unido não é apenas rainha dos quatro países que compõem o Reino Unido (Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte): ela é também rainha daqueles outros 15 países. Eles são países independentes em relação ao Reino Unido, mas não em relação à coroa. Se as regras de sucessão mudarem para a rainha no Reino Unido, isso afetará todos aqueles outros países.
Por fim, você se perguntou por que o primeiro ministro, que é subordinado à rainha e nomeado por ela, vai propor uma mudança que afeta as regras da sua sucessão? E mais interessante ainda: por que a rainha declarou que “esse é um assunto para o Parlamento”?
Isso porque a rainha do Reino Unido é subordinada ao Parlamento.
Até o século XVII os soberanos ingleses eram isso: soberanos. Suas vontades eram leis. Mas depois da Segunda Guerra Civil (1648-9) entre rei e Parlamento, ganha por este último, o soberano se tornou meramente uma figura decorativa, cujo o poder é exercido pelo primeiro ministro, que é sempre um membro do Parlamento.
Isso quer dizer que embora o primeiro ministro e o resto do gabinete sejam por convenção nomeados pela rainha e exerçam o poder em seu nome, isso é só uma formalidade pois na prática a rainha tem sempre que aceitar quem o Parlamento indica como primeiro ministro e membro do gabinete e não pode interceder em relação às decisões tomadas pelo gabinete, ainda que todas elas sejam tomadas em seu nome. A mesma coisa acontece com a sanção das leis: a rainha sanciona todas as leis mas, por convenção, ela jamais pode se recusar a sancionar uma lei que tenha sido aprovada pelo Parlamento, sob o risco de ser removida do poder. A mesma coisa acontece quando ela nomeia alguém lorde, cavalheiro etc: a lista de quem será nomeado é feita pelo gabinete do primeiro ministro. A rainha apenas entrega o título, ainda que ela não goste do escolhido. É justamente daí que vem a expressão ‘rainha da Inglaterra’ para designar alguém importante mas sem poder.
É isso que contrapõem as monarquias parlamentaristas (ou democráticas) às monarquias absolutistas: nas democráticas, como o poder é transferido para o parlamento, não importa que haja um rei, porque ele não tem poder para tomar qualquer decisão. Nas absolutistas, ele concentra todo o poder.