“Maranhão adia licitações para compra de lagosta e camarão
O governo do Maranhão adiou as licitações para compra de alimentos para as duas residências oficiais. Os novos pregões não têm data para acontecer. Em meio ao caos em presídios, o Estado previa gastar R$ 1 milhão para alimentar a família Sarney e seus convidados até o fim do ano.
A coluna ‘Painel, da Folha, revelou (…) que a lista de compras incluía 80 kg de lagosta fresca, uma tonelada e meia de camarão e oito sabores de sorvete.
O pacote para os palácios maranhenses também incluía 750 kg de patinha de caranguejo, por R$ 39 mil. O governo do Estado compraria ainda duas toneladas de peixe e mais de cinco toneladas de carne bovina e suína (…)
As iguarias deveriam ser entregues na residência oficial e na casa de praia usada pela governadora.
A Folha visitou um dos presídios superlotados de São Luís. São cerca de 200 homens, o dobro da capacidade. A comida dos presos se limita a arroz e galinha crua. Uma chapa no chão da cadeia funciona como fogão para os presos terminarem de cozinhar o frango para conseguir comer.”
Quem acompanha o noticiário sobre o caso das mortes nas prisões do Maranhão percebeu a proliferação de referências a crime de responsabilidade.
A expressão tem sido empregada com larga licença poética. Do ponto de vista jurídico ela tem significado e processos específicos que reduzem a possibilidade de sua aplicação.
Crime de responsabilidade é o que os juristas chamam de ilícito político e administrativo. Ou seja, ele não leva ninguém à prisão porque não é uma condenação criminal. Suas consequências são a perda do cargo e a impossibilidade de ocupar cargo público por um período de tempo através de um processo de impeachment.
Os crimes de responsabilidade do presidente da República são previstos na própria Constituição. Alguns dos crimes de responsabilidades dos prefeitos e autoridades municipais também estão previstos na Constituição Federal.
Mas os crimes de responsabilidade dos governadores estão previstos essencialmente nas constituições estaduais.
No caso do Maranhão, por exemplo, o art. 65 diz que “São crimes de responsabilidade os atos do Governador do Estado que atentarem contra a Constituição Federal, esta Constituição e, especialmente, contra (III) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais”.
Essa parte da Constituição estadual é praticamente uma cópia da lei 1.079/50, que é uma lei federal, e é ela que explica quais são esses direitos individuais.
Por exemplo, o art. 7o da lei diz que “são crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais (5) servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua (…) (9) violar patentemente qualquer direito ou garantia individual constante do art. 141 [hoje art. 5o] e bem assim os direitos sociais assegurados no artigo 157 da Constituição [hoje arts. 6o a 11]”.
Os direitos à vida e à dignidade são direitos individuais.
Mas aqui vale lembrar que o crime de responsabilidade é um ilícito político-administrativo. O julgamento dos crimes de responsabilidade de um governador é feito não pelo Judiciário, mas pela assembleia legislativa daquela unidade federativa (da mesma forma como o impeachment do ex-presidente Collor foi julgado pelo Senado Federal).
Ou seja, embora o processo seja iniciado e feito com base nas condutas previstas na lei, o julgamento em si é essencialmente político. Em grande parte ele é um espelho do que ocorre em um tribunal do júri, onde os jurados – essencialmente leigos em assuntos jurídicos – julgam os fatos. No caso, os deputados estaduais é que são os ‘jurados’.
Logo, mesmo que do ponto de vista legal haja (ou houvesse, dependendo de seu alinhamento político) indícios suficientes para dizer que a governadora tolerou que autoridades imediatamente subordinadas a ela abusassem de seu poder ou que violou patentemente os direitos individuais dos presos, os deputados estaduais precisariam estar convencidos que o impeachment da governadora é a melhor solução. Por outro lado, se a governadora perde a base aliada na assembleia, seu impeachment passa a ser muito mais provável.
Em ambas as direções, essa é uma análise de cunho político. Tanto é assim que a decisão final não é sujeita a recursos junto ao Judiciário. Afinal, não cabe a magistrados fazerem análises políticas.
Daí ser essencial manter a boa vontade política da base aliada no legislativo estadual.