“Campos critica baixo crescimento e defende reforma do Judiciário
Em entrevista gravada na TV Globo para o ‘Programa do Jô’, que iria ao ar ontem à noite, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), criticou o baixo crescimento do país, defendeu uma reforma do Judiciário e voltou a falar sobre sua relação com a ex-senadora Marina Silva, que se filiou ao PSB após o fracasso da criação do partido Rede a tempo de disputar as eleições de 2014.
Campos defendeu uma reforma do Judiciário que inclua o fim dos mandatos vitalícios: ‘É um debate saudável do Brasil fazer. Essa coisa de vitaliciedade é algo que data de outro tempo histórico’”
Ao contrário do que muita gente acredita, no Brasil, vitaliciedade não significa até o fim da vida. Significa até os 70 anos. Isso é diferente, por exemplo, dos EUA, de onde copiamos a ideia de vitaliciedade para os magistrados, mas onde vitaliciedade significa até a morte.
A vitaliciedade, no Brasil, nada mais é do que a garantia de permanência no cargo – salvo sua perda/aposentadoria compulsória imposta pelo Judiciário – até os 70 anos. Um eufemismo elegante para a estabilidade garantida à maior parte dos servidores públicos.
Não podemos confundir a vitaliciedade com outros princípios que normalmente estão ligados à ela, mas que não se confundem com ela, como a inamovibilidade e a independência de quem julga.
Inamovibilidade significa que o magistrado não pode ser retirado de onde está sem que ele queira. Isso evita que um magistrado seja jogado de um lado para o outro porque ele decidiu ou pode decidir algo contra ou a favor de algum chefe político. Sem a inamovibilidade, magistrados ficariam à mercê de influências políticas e estariam constantemente sob o risco de serem punidos profissionalmente por julgarem corretamente. Algo parecido com o que ocorre com delegados de polícia hoje.
A independência tampouco é a mesma coisa que a vitaliciedade. Escravos eram escravos por toda a vida e nem só por isso eram independentes para decidirem de acordo com suas consciências e vontades.
Em outras palavras, o ‘debate sobre a vitaliciedade’ nada mais é do que um debate semântico. Chamar seis de meia dúzias não muda a quantidade contada.
O segundo ponto é que magistrados, ao contrário de políticos eleitos, não têm mandatos. Mesmo na Justiça Eleitoral, onde magistrados servem por dois anos, não é propriamente um mandato porque os magistrados eleitorais não representam ninguém (nem mesmo quem os nomeou).
Fora a Justiça Eleitoral (que é composta de magistrados emprestados pelas Justiças comuns federal e estaduais, e por advogados), os outros magistrados no Brasil ou prestam concurso público para aquela carreira, ou são nomeados magistrados pelo chefe do Executivo (federal ou estadual, dependendo do caso) através do que é conhecido como quinto constitucional. E, uma vez nomeados, eles permanecem naqueles cargos com as mesmas garantias e prerrogativas dos magistrados concursados, inclusive a vitaliciedade até atingirem os 70 anos para a aposentadoria compulsória.
Se unirmos as duas informações do projeto proposto na entrevista acima, teríamos magistrados que ou serão obrigados a se aposentarem antes dos 70 anos, ou que sejam nomeados por um período específico de tempo e sairão do Judiciário antes de se aposentarem.
Embora isso possa parecer politicamente interessante, há quatro riscos que precisam ser considerados:
O primeiro é que tais magistrados, para garantirem uma nova nomeação, precisarão agradar quem os nomeia, ou seja, o chefe do Executivo. E isso os expõem a uma pressão política muito maior pois sabem que a cada poucos anos podem perder seus cargos se não agradarem o governador ou presidente da República.
Segundo, ao ficarem por pouco tempo no Judiciário, eles terão que, de alguma forma, manter uma carreira paralela à qual possam voltar mais adiante quando o mandato terminar (os advogados nomeados por dois anos para a Justiça Eleitoral, por exemplo, continuam como advogados). E isso pode, mais uma vez, expô-los às pressões de potenciais futuros clientes e empregadores de quem muito em breve podem precisar para seu sustento profissional.
Terceiro, a vitaliciedade garante um equilíbrio de indicações. Se olharmos os 11 ministros do STF em novembro de 2013, por exemplo, veremos que Dilma nomeou quatro (Barroso, Fux, Weber e Zavascki), Lula outros quatro (Barbosa, Cármen Lúcia, Lewandowski e Toffoli), e Fernando Henrique, Collor e Sarney nomearam um cada (Mendes, Mello e Aurélio, respectivamente). Como os três últimos foram nomeados por presidentes com alinhamentos ideológicos diferentes dos dois últimos presidentes, ninguém pode dizer que o STF é composto apenas por nomeados pelo PT. Mas se os magistrados tivessem mandatos fixos de, digamos, 10 anos, todos os magistrados do STF em novembro de 2013 teriam sido nomeados por presidentes de um mesmo partido político.
Por fim, se você é um ótimo jurista, você aceitaria destruir sua carreira por alguns poucos anos apenas para ter o prestígio de ser um magistrado por quatro ou oito anos, e depois ter de recomeçar sua carreira interrompida? Se com a vitaliciedade vários bons juristas já não aceitam nomeações – mesmo para os tribunais superiores – por não quererem atrapalhar suas carreiras e finanças, o risco de bons juristas não quererem virar magistrados pode tornar-se muito maior se o cargo for por um período que não os garanta chegar à aposentadoria. E assim teríamos apenas juristas menos talentosos – que já não têm nada a perder – aceitando as nomeações. E, com a falta de talento, os riscos aumentam.